Falar sobre mulheres no ramo militar deveria ser um assunto corriqueiro, haja vista a participação feminina na Segunda Grande Guerra, a qual foi exemplar, com mulheres que se destacaram em suas posições, mas que a História fez – -e ainda o faz – questão de apaga-las para que voltassem aos seus locais “de origem”: o do cuidado, o da família e ao trabalho burocratizado. Por aqui, personagens heroicas como a soldado Medeiros, a Major Cansanção e a Comandante Macedo (PMESP) são, a menos para mim, fonte de inspiração eterna no que diz respeito à honra e à disciplina militar.
Mas, antes dessas heroínas, tivemos algumas mais “antigas” e que poucas pessoas sabem a respeito, em especial no chamado mundo militar. Nesse breve texto, falarei das guerreiras celtas e das amazonas, a fim de ratificar a presença feminina em atividades militarizadas desde os tempos mais remotos. E mesmo sendo tão aguerridas, também passaram pelo apagamento histórico devido aos processos de dominação cultural e incorporação de religiões tidas como não pagãs.
As guerreiras celtas
Os celtas chegaram à Bretanha por volta do ano 700 a.C., oriundos da Europa central ou do sul da Rússia, onde se instalaram e foram dominando várias regiões, como a Bretanha francesa, a Irlanda, o País de Gales e a Escócia. Nos dias atuais, percebe-se a influência celta na Irlanda e nas Ilhas Britânicas, em especial nas terras altas da Escócia.
Sobre as guerreiras celtas, sabe-se que viveram pela Alemanha, espalhando-se, mais tarde, pela Suíça, Suécia, Reino Unido, Portugal e Espanha, em torno dos anos 1.500 a. C. Eram criadas de forma livre, igual aos homens, podendo, inclusive, escolherem seus parceiros, não sendo forçadas a nenhum tipo de relação.
A elas, desde a mais tenra idade, era ensinado algum ofício a fim de que pudessem se sustentar sem a ajuda masculina. A primeira lição ensinada? “Ama teu homem e o segue, mas somente se ambos representarem um para o outro o que a Deusa Mãe ensinou: amor, companheirismo e amizade”, haja vista que endeusavam elementos da natureza e a fertilidade.
Tais guerreiras eram temidas por seus inimigos, pois estes sabiam que as mulheres celtas recebiam treinamento para matar, em especial, para defender suas crias, golpeando selvagemente seus opositores. Tais mulheres eram vistas em sua sociedade como sábias e ocupavam locais de alto status social: curandeiras, legisladoras, druidesas e poetisas. Não eram excluídas do processo de educação e, por isso, chegaram a governar ou acompanhar governantes muito populares, sendo companheiras e, também, guerreiras, sem abandonar o amor e maternidade.
Boudicca, que se tornou rainha da tribo dos Iceno e outras tribos bretãs após a morte de seu marido, foi a guerreira celta mais conhecida por suas ações bélicas sangrentas. Esse povo viveu no noroeste da ilha (hoje, seria algo próximo de Norfolk). Conhecida pelos romanos como Boadicea, lutou contra tais forças ocupantes da Grã-Bretanha em 60 a.C. durante o governo do imperador Nero, sendo a maior revolta contra os romanos em 400 anos de domínio da Britânia. A Batalha de Watling Street, como ficou conhecida, foi vencida pelos romanos. O rei celta, e companheiro de Boudicca, Prasutagos, com receio de sua família sofrer algum mal após sua morte, deixou em testamento que metade do reino deveria ficar para Boadicea e suas duas filhas, enquanto a outra metade ficaria com Roma. Entretanto, os romanos não acataram a solução e atacaram o reino todo, agindo com muita violência: além de invadirem as terras, açoitaram Boudicca e violaram suas duas filhas, de 10 e 12 anos, na sua frente. Por conta disso, como toda guerreira celta, Boadicea (ou Boudicca) deixou sua marca: derrubou cidades importantes, incluindo Londres, e assassinou 70 mil romanos. Pelos seus feitos, e fúria, Nero chegou a considerar a possibilidade de retirar suas tropas e abandonar a região.
A sociedade celta sempre reservou às mulheres um lugar de honra. Porém, com o avanço da romanização e da cristianização, tais guerreiras foram sendo colocadas para escanteio e passaram a ser consideradas como “bruxas”, de forma a inferiorizar e a desacreditar tais figuras.
Para estudiosas britânicas, o fato de que havia mulheres como líderes de guerras acabou ofendendo as “sensibilidades” romanas, já que não era a ordem das coisas mulheres guerrearem, ao menos para os romanos. É por isso que essa batalha é bastante conhecida em relação a outras contra Roma.
As guerreiras amazonas
Em relação às amazonas, Heródoto, conhecido como o “pai da História”, afirma, em seus escritos, ter localizado a capital onde viviam tais guerreiras: seria na cidade de Themiscyra: o local era fortificado e ficaria às margens do rio Thermodon, próximo da costa do Mar Negro (sendo hoje o norte da Turquia).
Comandadas por uma rainha, eram corajosas, independentes e empreendiam extensas expedições militares pelos mais diversos lugares. Suas viagens de pilhagem eram tanto para locais perto de casa como para os mais distantes, chegando a fundar cidades.
Sabe-se que as amazonas apenas se reproduziam para a geração de descendentes: era através de um evento anual com uma tribo vizinha que isso ocorria. Caso nascessem meninos, estes eram mandados de volta para os pais; já, se fossem meninas, eram treinadas desde a mais tenra idade para se tornarem guerreiras.
Para os gregos antigos, não havia dúvidas: as guerreiras amazonas existiram em alguma época. Estas, entretanto, eram diferentes daquelas documentadas pelo poeta Homero, onde os historiadores sempre acreditaram que eram fruto de pura fantasia. Tidas – ainda hoje – como mitos, as amazonas chegavam a decepar um seio para poderem usar o arco de forma melhorada, controlavam a sua reprodução e não se casavam, sendo vistas como o oposto do arquétipo das gregas. Por conta disso, eram tidas como párias da sociedade, vivendo nas fronteiras, com suas imagens sempre associadas com as de mulheres não femininas. Talvez, por conta disso, eram legitimadas como mulheres guerreiras.
Porém, na década de 1990, alguns arqueólogos identificaram esqueletos femininos antigos enterrados em túmulos de guerreiros, onde vários restos mortais encontrados possuíam ferimentos de combate, como pontas de flechas atravessando os ossos. Além disso, muitos deles foram enterrados com armas que lembravam àquelas usadas pelas amazonas, as quais já haviam sido retratadas nas obras de arte da Grécia Antiga.
Por conta dos achados arqueológicos, os “mitos” amazônicos – até então tidos como fantasias – começaram a ser considerados verdadeiros, já que traziam diferentes informações sobre mulheres nômades das estepes, lembrando em muito as amazonas.
Portanto, falar de mulheres militares é falar de guerreiras verdadeiras, onde a honra, a coragem e, nos dias atuais, o profissionalismo, fazem parte não apenas de seu palavreado, mas de seu cotidiano.
Um salve às mulheres militares!
Texto por: Maria Carolina Loss Leite, doutora em sociologia e associada aspirante do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB).