A Nossa Guerra Fria

Por: Gen. Div R1 Marco Aurélio Vieira 6 de janeiro de 2023

Gen Div R1 Marco Aurélio Vieira – Ex-Comandante da Brigada de Operações Especiais e da Brigada de Infantaria Paraquedista

O termo “guerra fria” foi cunhado pelo inglês George Orwel, autor do livro 1984, tentando explicar o estado de beligerância que se estabeleceu entre a União Soviética e os Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. Mesmo tendo combatido junto aos aliados, a URSS decidiu que seus exércitos permaneceriam ocupando os países liberados do nazismo, no Leste Europeu, o que tensionou as relações entre as duas nações, já exauridas pelo conflito.

Na verdade, os soviéticos eram contrários à democracia – tanto ou mais que nazistas e fascistas – e ameaçavam a Europa e o mundo, com uma possível expansão de seus domínios. O ímpeto e a audácia das ações russas ficaram evidentes e confirmaram os receios americanos, tendo a URSS financiado o golpe na Tchecoslováquia em 1948, apoiado a vitória dos comunistas chineses em 1949 e a invasão da Coréia do Norte em 1950.

Fruto da convicção – até certo ponto maniqueísta, porém real – quanto às intenções geopolíticas dos russos, os estadistas ocidentais precisaram conceber uma nova estratégia para fazer frente à ordem mundial pós-guerra, tendo a antiga aliada como inimigo de ocasião. Na contramão da doutrina Clausewitz, que pregava a guerra como a continuação da política por outros meios, os estrategistas americanos entenderam que a ameaça de um conflito atômico e da consequente “destruição mútua assegurada” afastava a possibilidade de batalhas convencionais. Naquele momento histórico, o emprego de Forças Armadas na continuação das tratativas diplomáticas poderia representar o suicídio nacional.

A chamada “guerra fria” foi concebida assim, como forma de se conduzir um conflito por quaisquer meios, excetuando-se o emprego de exércitos, bombas ou armas, por parte de ambos os contendores. Concretamente, os americanos desenvolveram sua estratégia em três linhas de esforço: conter a expansão comunista; impedir os soviéticos de atuar contra os interesses americanos; e ocultar (ou deixar de divulgar) o que fosse possível, tanto da prática como das ideias do comunismo. Ao longo de mais de 30 anos do Século XX, esse entendimento permitiu EUA e URSS agredirem-se sistemática e regularmente em todas as frentes, menos em uma: ataques militares diretos. Mas, foi o abandono dos objetivos da guerra fria e a displicência com o gramcismo que grassou nas Universidades americanas, a partir da década de 60, que deram espaço ao atual comunismo existente na América.

No Brasil do Século XXI, estamos vivendo um dilema análogo ao pós-guerra de 1945. Aqui, os valores democráticos, as crenças conservadoras e os princípios liberais estão sofrendo seguidas baixas, vítimas de uma guerra assimétrica, orquestrada por um sistema escudado em interpretações tendenciosas da Constituição, que libertou um ex-presidente preso por corrupção e certificou sua eleição em um pleito sem transparência. Com a conivência desonesta da imprensa, magistrados tem se valido de medidas ilegais para oprimir os cidadãos, e autoridades declaram abertamente a intenção de estabelecer o comunismo e suas práticas, no país.  O ímpeto e a audácia das primeiras iniciativas desse novo governo não deixam dúvidas que nossa democracia já corre sério risco.

Exauridos e sem a possibilidade de reação em força, as hostes democráticas brasileiras deparam-se com a necessidade de reformular sua estratégia. Como o mundo ocidental viveu no século passado, também aqui – neste momento político – é imprescindível uma tomada de consciência da sociedade quanto aos riscos desse comunismo, disfarçado de defesa da democracia, que nos está sendo imposto. Recordamos que a intervenção militar foi descartada pelos detentores da violência institucional do Estado, por motivos que a História um dia vai elucidar, e que não há mais como apelar para os outros poderes da República, que se omitem de suas obrigações constitucionais, ou são cúmplices dessa sórdida manobra política/ideológica.  É a experiência histórica que nos aponta a solução estratégica: uma organizada e sistemática “guerra fria nacional”.

Sim, é preciso conter os ataques às liberdades desse governo que, sem qualquer pudor, está instituindo organismos ditos de “democracia defensiva” e “combate à desinformação”, com inconfessáveis objetivos de maior capacidade de intervenção na vida das pessoas, como já vem acontecendo por abuso de autoridade do STF. É prioritário desmentir as narrativas comunistas, “sociais democráticas”, ou mesmo marxistas puras, de uma evolução política historicamente inevitável, quando atos oficializados na primeira semana desse governo já demonstram exatamente o contrário: um nítido retrocesso em desenvolvimento econômico, direitos e bem-estar, além da indiferença quanto à atual insegurança jurídica do país.

Não é sensato combater a expansão comunista liderada pelo PT e seus aliados com violências ou depredações, táticas habituais da esquerda. Nossa guerra fria deve usar inteligência, atuando através de intimidação organizada, com atos objetivos de resistência pacífica ou de desobediência civil planejada. É preciso retaliar as decisões governamentais antidemocráticas com ações que provoquem expectativas concretas de inaceitáveis prejuízos políticos, constitucionais, e até legais, aos poderes da República. A estratégia deve comportar a ofensiva implacável contra decisões populistas do Presidente, a vigilância cerrada dos atos do Congresso, com pressão contínua sobre Deputados e Senadores, além de manifestações públicas de vulto na Praça dos Três poderes, contrárias às possíveis tentativas de violação da nossa democracia.

Tucídides, escritor grego, identificou três causas primárias que alimentam a dinâmica das guerras: interesse, temor e honra. Ao longo desses últimos meses muito da honra foi perdida. Mas, se ainda acreditamos na importância dos valores democráticos, guerra é a palavra por onde devemos começar, porque só haverá futuro se vencermos nossos temores, lutarmos pelos históricos interesses conservadores do nosso país, e conseguirmos preservar um mínimo da herança liberal que nos foi legada pelos antepassados.

Texto original publicado aqui.

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