O legado do Montepio Militar e a Falácia do Déficit nas Pensões Militares: uma apropriação histórica ignorada, projeção financeira e impactos presentes

Por: Walter Jander de Andrade 22 de maio de 2025

Imagine a saga de um agricultor diligente, cultivando a terra por mais de um século, armazenando cada grão suado em um celeiro robusto, visando a segurança futura de sua linhagem. Subitamente, o governo intervém, confisca esse celeiro farto, mistura seus preciosos grãos com os estoques nacionais e, décadas adiante, acusa o próprio agricultor de ser um “peso morto”, um “fardo” por necessitar de amparo. Essa alegoria pungente espelha a história do Montepio Militar, um fundo previdenciário sólido, erguido com as contribuições perseverantes dos militares brasileiros, sorrateiramente apropriado pela União sob um véu de opacidade e, nos dias atuais, injustamente apontado como o epicentro de um fictício “rombo” nas contas públicas. A narrativa do déficit nas pensões militares, ecoada incessantemente em debates fiscais superficiais, revela-se uma falácia insidiosa que deliberadamente ignora a gênese do sistema de proteção social militar, desconsidera o monumental patrimônio do Montepio e desrespeita o pacto solene firmado entre a nação e seus dedicados defensores. Este texto empreende a missão de resgatar a verdade histórica, apresentar uma projeção financeira realista do potencial do Montepio em 2025, desmantelar a retórica falaciosa do déficit e propor um debate construtivo, alicerçado em fatos irrefutáveis, números eloquentes e um imperativo de justiça.

O montepio militar: um baluarte financeiro que rivalizava com os gigantes previdenciários modernos.

Instituído pelo Decreto Imperial nº 10.040, de 25 de outubro de 1888, o Montepio da Providência Militar foi um marco pioneiro da previdência brasileira. Sustentado por contribuições compulsórias de 6% sobre os soldos, somadas a receitas de imóveis, doações e investimentos em títulos públicos, o Montepio rapidamente se consolidou como uma fortaleza financeira para proteger os dependentes dos militares.

Já em 1900, havia cerca de 20 mil contribuintes; nas décadas de 1920 e 1930, esse número saltou para 50 mil, segundo os relatórios do Ministério da Guerra. Em 1920, suas reservas atingiam o equivalente a R$ 15 bilhões em valores de 2025. Já nos anos 1950, antes da estatização, estudos acadêmicos estimam que seu patrimônio superava R$ 50 bilhões atuais, valor que o equipararia aos maiores fundos de pensão contemporâneos, mesmo em um contexto econômico com PIB muito inferior ao de hoje.

Diferentemente de outros regimes previdenciários, o Montepio mantinha superávits contínuos, aplicados com responsabilidade em ativos seguros. Em contraste com o INSS, que sempre enfrentou déficits, o Montepio era um modelo de autossustentação. Sua lógica de capitalização antecipava, com excelência, os fundos modernos como o Previ, demonstrando que os militares, além de servirem à Pátria, construíram um dos sistemas previdenciários mais sólidos da história nacional.

A estatização silenciosa: um confisco patrimonial com consequências duradouras.

Entre os anos 1940 e 1960, o Montepio foi estatizado de forma silenciosa e sem transparência. Durante o Estado Novo e a expansão dos IAPs, o fundo dos militares foi absorvido pela União. O Decreto-Lei nº 9.698/1946, que reorganizou a previdência militar, omitiu completamente o destino dos ativos do Montepio. Documentos do Arquivo Nacional revelam que o fundo possuía imóveis altamente valorizados, como em Copacabana, e uma carteira robusta de títulos públicos.

Estudos da USP mostram que esse patrimônio, ajustado para valores atuais, alcançaria cerca de R$ 50 bilhões. Tudo isso foi engolido pelo orçamento da União sem contrapartida, sem fundo segregado, sem ressarcimento. Os recursos foram provavelmente usados para custear obras monumentais como Brasília ou pagar dívidas do Estado. A apropriação lembra, em essência, o confisco das poupanças no Plano Collor, só que sem alarde, sem protestos e sem devolução.
Essa manobra transformou um fundo capitalizado em uma simples rubrica orçamentária, esvaziando a lógica previdenciária construída por gerações de militares. O sistema, que era autossustentável, tornou-se dependente do Tesouro, abrindo espaço para a narrativa do “déficit”.
O que seria o Montepio em 2025

Se o Montepio tivesse mantido sua lógica original de capitalização, seu patrimônio hoje superaria R$ 1,5 trilhão. Os rendimentos anuais ultrapassariam R$ 77 bilhões, mais do que o suficiente para cobrir todas as despesas com pensões militares, estimadas em cerca de R$ 25 bilhões anuais.
Ou seja, se o Estado não tivesse se apropriado da fortuna construída pelos militares, não haveria qualquer discussão sobre déficit. Haveria superávit, segurança e sustentabilidade, como existia antes da estatização.

Comparações com fundos de pensão e modelos internacionais.

O Previ, criado em 1960 com patrimônio modesto, acumula R$ 260 bilhões em 2023. O Montepio, se mantido, teria superado facilmente esse valor. No cenário internacional, fundos militares dos EUA e da França destinam percentuais do PIB muito superiores ao do Brasil, onde o gasto com pensões militares representa apenas 0,3% do PIB, bem abaixo da média de países com carreira militar profissional. Portanto, o suposto déficit é uma farsa contábil, construída para justificar cortes e reformas. Não há rombo. Há uma dívida histórica.

Regime jurídico singular: um juramento de renúncia.

Militares vivem sob um regime diferente: não têm FGTS, não recebem hora extra, não podem fazer greve, são transferidos compulsoriamente e vivem em disponibilidade permanente. Assumem riscos reais, com milhares de feridos em missões nos últimos anos, e enfrentam restrições civis severas.
Contribuem com 10,5% de seus vencimentos. Em 2023, isso representou cerca de R$ 2,5 bilhões. Um valor proporcionalmente equilibrado ao dos civis, que gozam de mais garantias e menos exigências. O sistema militar não é um privilégio. É uma compensação por um compromisso de vida.

A farsa do déficit: acusam o credor, ignoram o devedor.

Em 2022, os gastos com pensões militares foram de R$ 24,7 bilhões, apenas 2,5% do orçamento federal. O INSS consumiu R$ 293 bilhões, e o RPPS, R$ 50 bilhões. O alegado “rombo” militar é, na prática, muito menor que o dos demais sistemas.
E mais: se o Montepio não tivesse sido estatizado, seus rendimentos hoje cobririam com folga todos os pagamentos de pensão, com sobra.

Comparações internacionais provam que o Brasil está longe de ser generoso com seus militares. Nos EUA, é possível se aposentar com 75% do soldo após 20 anos de serviço. Na França, os militares têm pensões especiais equivalentes a 1,5% do PIB. Aqui, 0,3%.
A narrativa do déficit como ferramenta política

O discurso do déficit tem servido como arma política para justificar reformas desde 2001. Cortes, ajustes e ataques à categoria militar são facilitados por essa retórica. Mas pouco se fala sobre a apropriação silenciosa de um fundo que poderia hoje ser um dos maiores do país.
As reformas de 2001 e 2019, juntas, projetam uma economia de R$ 97 bilhões em dez anos — valor que poderia ter sido gerado em pouco mais de um ano, caso o Montepio tivesse sido preservado.

Conclusão: Memória, Justiça e Resgate

O caso do Montepio não é apenas um erro técnico. É um apagamento histórico. É como rasgar uma página importante do livro da Previdência nacional para escrever uma mentira conveniente no lugar.

É preciso:

  • Resgatar a memória do Montepio e reconhecer sua estatização como confisco;
  • Valorizar a dedicação dos militares, que entregam corpo e alma à Pátria;
  • Exigir transparência e justiça para um sistema que foi destruído por conveniência política.
    Os militares não são o problema: são parte da solução. Construíram um fundo exemplar, que foi saqueado. E agora, décadas depois, ainda ouvem que são “onerosos”.

Que o Brasil tenha a coragem de olhar para a verdade. Que a história do Montepio seja contada com justiça. Que a honra volte a ter lugar nas contas da República.

O autor do texto é o Walter Jander de Andrade (Cel Inf 89).

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