O Ceará não é Harvard

Por: Dom Obá III 27 de maio de 2024

*Sob pseudônimo de Dom Obá III

Acompanhar a velocidade das mensagens 3M representa tarefa inaudita a este paquiderme mental. Quase sempre atrasado – há pouco encarei mais de doze mil estocadas – nado, nado e não alcanço a terra firme do controle diário de uso do aplicativo. Também, quem mandou incorporar na dinâmica Turma de bem com a vida, autêntico fórum comunitário com permanente e intensa agenda participativa?

Tanto imerso nas ondas da desatualização virtual, espelhei no horário noturno a imagem daquele em que opiniões e análises parecem abduzidas da calmaria de momentos naturalmente propícios à reflexão solitária, à inspiração produtiva, ao resgate de sábios poderes embaralhados na azáfama luminosa diurna. Acessar postagens entre o crepúsculo e o amanhecer, em geral, significa saborear manjar de degustação imperdível. Assim distraído estava quando estanquei no noticiário de recente concurso do ITA – das cento e dez vagas disponíveis resultaram quarenta e cinco aprovados, do Ceará; quarenta e quatro, de São Paulo; onze, do Rio de Janeiro; as demais, dez, ao resto do mundo. Fake new? Li, reli, confirmei: os piás nordestinos arrasaram de fato.

Antigo morador das bandas de Iracema, confrade de Paranapuan atribuiu a lavada à inteligência alencarina; outro MMM querido, cearense de boa cepa, explicitou exitosas estratégias de colégios e cursinhos pré-vestibulares, sem desmerecer, bem-humorado, o elevado QI dos conterrâneos. Divulgado o resultado, escancarava-se pífia autoestima deste rabiscador da Sebastianópolis tropical.

Excluídas balas perdidas, seguidos vexames da galera papagaio-de-vintém, desmanche da governabilidade, corrupção descabida, inoperância administrativa e caos generalizado, os habitantes do sofrido balneário decadente enfrentam por ora o dissabor de, no ranking nacional dos intelectos – no ITA, pelo menos – ocuparem pontuação 75% aquém de cearenses e paulistas. Destes, dispenso lembrança depois da acachapante conquista corintiana; a dupla rebordosa de São José dos Campos minou-me as reservas emocionais a ponto de despencar em grave depressão.

Recolhido ao Babilônia-Urubú, célere eu buscava esclarecer a aparente débâcle intelectual da galera bronzeada, do Leme ao Pontal, do Estácio a Santa Cruz, da Providência a Paciência. Olhos febris, conjecturas desabavam.

Cariocas, temos matemáticos de botar prêmio Nobel no bolso: Félix, Micelli, Alfredo Português, Saback Chaves, Cardosinho, Dal Bello – Nichteroy é aqui. Aliás, caso contestado resta empregar a reserva Chaves Machado, às da física quântica inspirador e co-autor da memorável Oração MMM do Péricles Arataquinha, segundo declaração do prestigiado docente. Baita furdunço!

Propagar a inteligência dos cearenses beira o supérfluo. Mais que inteligentes, empreendedores, geralmente se destacam. Do tradicional La Mole, de proprietário ex-lavador de pratos no primeiro restaurante da rede, ao ínclito Brigadeiro Antônio de Sampaio, menino no Tamboril, registram-se incontáveis exemplos ilustres de nascidos nos pagos de José de Alencar. Cito os meus favoritos.

A Francisco José do Nascimento – Dragão do Mar, Chico da Matilde ou Navegante Negro – cabe imenso reconhecimento por sua luta de erradicação da escravatura no Brasil. Líder jangadeiro, em 1884 recusou transportar escravos aos navios do tráfico negreiro, tornando-se forte símbolo do movimento abolicionista vitorioso em 13 de maio de 1888. Carismático, corajoso, lutador, não surpreende: era cearense.

Idealista e batalhador incansável, o Marechal do Ar Casimiro Montenegro Filho, patrono da Engenharia na FAB e piloto do vôo inaugural do Correio Aéreo Nacional, em 12 de junho de 1931, além de eternizar-se na história da aviação brasileira, com o pioneirismo do CAN, cursou a então Escola Técnica do Exército – precursora do IME – e, avançado sempre no tempo, realizou o sonho da construção do ITA / CTA. Audacioso, batalhador, empreendedor, não surpreende: Montenegro era fortalezense de 29 de outubro de 1904 – escorpiano dos bons.

Antes de se atribuir o sucesso acadêmico dos jovens do Ceará – ou dos que lá estudaram nos cursos preparatórios – apenas a dotes intelectuais, proponho valorizar o espírito telúrico simbolizado nos feitos admiráveis do jangadeiro e do brigadeiro imortais. Se dúvida persistir, recorram ao Teophilo, ao Salvany, ao Alvarenga, ao Assis, ao Haroldo, ao Eduardo, e conterrâneos outros, por nascença ou adoção patrimônios vivos de Fortaleza.

Quer alcem vôos distantes nas asas do aracati sobre MIT, Sorbonne, Katmandu ou Pequim, rogo à garotada nunca subestimar as próprias raízes, porque em nenhum lugar do planeta encontrarão gente tão valorosa quanto a do Ceará.

O Ceará não é Oxford, muito menos Harvard. É infinitamente melhor.

Topo