Movimento civil-militar de 31 de março de 1964

Por: Luiz Eduardo Rocha Paiva 17 de janeiro de 2024

Nos anos 1960, a Guerra Fria envolvia EUA e URSS, potências com visões distintas de como o Estado garante desenvolvimento, segurança e bem-estar à nação. À visão capitalista, liberal e democrática e aos valores cristãos dos EUA opunha-se o ideal socialista, centralista, totalitário e materialista ateu da URSS. Os valores nacionais identificavam-se com a visão norte-americana, ainda que ela não nos servisse em sua forma pura, pois nossas peculiaridades indicavam um modelo entre o liberal e o democrata social (difere do social democrata fabianista socialista). Acima da ideologia estava a disputa de dois impérios pela hegemonia mundial e a adesão do Brasil ao bloco socialista interessava à URSS, pois arrastaria junto toda a América do Sul.

Em meados de 1963, o Presidente João Goulart abandonou o plano econômico ortodoxo de Celso Furtado, devido ao seu alto custo político, e lançou um programa populista radical de Reformas de Base sem ter força política para aprová-lo no Legislativo, daí tentar implantar o estado de sítio em outubro de 1963. Não foi esse programa que determinou a queda de Jango e sim a tentativa de impô-lo na lei ou na marra – slogan da campanha pelas Reformas de Base. Desastrosa, também, foi sua aliança com o então ilegal Partido Comunista Brasileiro (PCB), que promovia a subversão político-social e a infiltração nas instituições, nos partidos políticos e em sensíveis segmentos da sociedade civil, como estratégias prioritárias para tomar o poder. Luiz Carlos Prestes, líder do PCB, chegou a declarar: “já temos o governo, nos falta o poder”; e que “o Brasil disputava a glória de ser o segundo país do continente a implantar o socialismo”.

A luta armada, como última opção, estava sendo preparada. Militantes do PCdoB fizeram curso de guerrilha na China, havia 218 Ligas Camponesas no Nordeste, lideradas por Francisco Julião e sob a orientação cubana, e Brizola organizava os Grupos dos Onze, principalmente no Sul e Sudeste. Eram os embriões do que seriam as forças guerrilheiras revolucionárias, no entanto, o grande trunfo do golpe comuno-sindicalista era o chamado dispositivo militar, que a assessoria castrense de Jango assegurava ser capaz de neutralizar reações das Forças Armadas (FA).

O Comício da Central do Brasil (RJ), em 13 de março de 1964, marcou a escalada do golpe comuno-sindicalista, chancelado pelo Presidente com ameaças ao Legislativo, caso não aprovasse as Reformas de Base; com decretos que violavam o direito de propriedade; e com a anarquia levada às ruas e quartéis para imobilizar as FA pela quebra da hierarquia, disciplina e coesão.

A subversão nas FA teve três momentos críticos. A Revolta dos Sargentos em 12 de setembro de 1963 (Brasília) e o Motim dos Marinheiros em 25 de março de 1964 (RJ). Em ambas as sedições, Jango libertou os presos sem julgamento, respaldando a indisciplina na caserna. O terceiro foi o jantar de apoio político ao Presidente, oferecido por sargentos e suboficiais das FA e de órgãos de segurança pública no Automóvel Clube do RJ, em 30 de março de 1964. Nesse evento, Jango, incentivado por inflamados discursos políticos de graduados e iludido quanto ao seu infalível dispositivo militar, ameaçou os oficiais que se pronunciavam contra a indisciplina nos quartéis.

A consequência foi uma forte reação democrática civil-militar organizada. Para a grande maioria da Nação, o próprio Presidente rasgava a Constituição, gerando insegurança, desconfiança e resistência numa sociedade majoritariamente cristã e conservadora. Assim, ele afastou a classe média, as igrejas, a imprensa, os militares legalistas e a maioria dos políticos, todos clamando pela neutralização do visível golpe comuno-sindicalista liberticida em andamento. A Constituição de 1946 (artigo 176) colocava as FA “sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei”. Portanto, por paradoxal que possa parecer, até os legalistas consideraram legítimo romper a legalidade para recuperar a constitucionalidade e salvar a liberdade.

Para o filósofo John Locke “a possibilidade de revolução é uma das características de qualquer sociedade civil bem formada. [-] admite o direito de insurreição em determinadas circunstâncias: Se um governo subverte os fins para os quais foi criado e se ofende a lei natural, então pode ser deposto”.

O Movimento Civil-Militar de 31 de Março de 1964, ou contragolpe democrático, teve maciço apoio da população, como mostraram as gigantescas manifestações populares antes e após aquela data. Nas semanas anteriores, jornais importantes estamparam a marcha para o golpe articulado por Jango, Prestes e Brizola. Folha de São Paulo de 27 de março de 1964: “Até quando as forças responsáveis deste país, as que encarnam os ideais e os princípios da democracia, assistirão passivamente ao sistemático, obstinado e agora já claramente declarado empenho capitaneado pelo presidente da República de destruir as instituições democráticas?”. O Estado de São Paulo de 14 de março: “após a leitura dos decretos presidenciais que violam a lei, não tem mais sentido falar-se em legalidade democrática, como coisa existente”.

Outros jornais como o Correio da Manhã, o Jornal do Brasil e o Globo apoiaram o contragolpe. No dia 31 de março, O Globo publicou: “[Seria] loucura continuarem as forças democráticas desunidas e inoperantes, enquanto os inimigos do regime vão [-] fazendo ruir tudo aquilo que os impede de atingir o poder. [-] a democracia não deve ser um regime suicida, que dê a seus adversários o direito de trucidá-la.

Jango, que tivera amplo apoio para impor sua posse após a renúncia de Jânio Quadros (1961), em 1964 não teve nenhum suporte das instituições, dos partidos e do povo brasileiro, optando por buscar asilo político no Uruguai. Perdera para o PCB, Brizola e os sindicatos as rédeas do golpe ao qual se aliara e quisera liderar conforme seus propósitos.

Em 2 de abril, o Presidente do Congresso Nacional declarou vaga a Presidência da República e investiu no cargo o Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, como rezava a Constituição. As FA não fecharam o Congresso Nacional e nem tomaram o poder após a vitória de um movimento legítimo e respaldado por indiscutível apoio popular, que dissuadiu qualquer reação dos que preparavam o golpe comuno-sindicalista percebido e denunciado por quase toda a mídia nacional. Em 15 de abril, o Congresso Nacional elegeu o então General Castello Branco Presidente da República, em pleito indireto, legalizando institucionalmente o novo governo.

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