“O princípio do governo despótico é o medo, pois nele a virtude não é necessária (os cidadãos não existem) e a honra é perigosa (cria rivais) […] o medo tem como função extirpar a virtude e a honra, criar uma extrema obediência, fazer do homem uma criatura que obedece a outra criatura que manda…”
Montesquieu, filósofo francês.
Palavra derivada do latim (honos, honor), honra traduziu os sentimentos de “ônus” – carga, encargos – da Cavalaria Medieval. Daí a expressão “noblesse oblige”, dogma social que compulsava a nobreza agir além do dever, ou até mesmo da razão, sob o risco da perda da honra, e que acabou retratando a carreira das armas. Herança dessa tradição é o simbolismo da atitude do militar “em continência, apresentar armas”, quando ele leva o copo de sua espada na altura do rosto (pela minha honra), apontando-a depois para o céu (por meu Deus), e em seguida direcionando-a para o solo (pela minha terra).
Em uma sociedade onde a honra é considerada, o respeito é valorizado, sendo o direito a esse respeito outorgado conforme normas compartilhadas socialmente em um tácito código de honra. Ter honra significa ter direito ao respeito. E é o respeito por reconhecimento, compatível com o juramento da dedicação ao serviço da Pátria, com o sacrifício da própria vida, se necessário, que mais importa para a honra militar.
No Brasil, um progressismo retrógrado nos tem imposto uma hegemonia cultural niilista que desvalorizou a honra como virtude, fazendo do respeito à cidadania uma ingenuidade. Hoje estamos sendo saturados de hipocrisia e desfaçatez, em um trabalho surdo e sistemático de distorção do nosso senso moral.
Habituamo-nos a conviver com homens públicos sem qualquer noção de honra, desde larápios flagrados pela polícia com dinheiro nas cuecas sendo condecorados, até corruptos condenados recebidos com pompas nas tribunas do Congresso.
O cinismo virou hábito, perdeu-se a vergonha na cara.
Sob a ótica social, podemos reduzir o problema a uma questão de educação, ou seja, uma população educada “se dá ao respeito”, condena a corrupção e a hipocrisia insolente, penaliza os homens públicos que sabidamente não atuam em vista do bem comum e do engrandecimento da nação. Mas, nós não estamos nos dando ao respeito.
E banalização do desrespeito – ou a insignificância da honra – no cenário público brasileiro, tem envenenado a alma da nação, aviltado a política e vulgarizado a cultura, mas principalmente, deteriorado os valores e as crenças dos soldados, acarretando perdas na mística e no poder militar das Forças Armadas.
Para a profissão militar, esse ambiente político social trouxe ainda o desafio de transformar hordas de jovens comodistas egocêntricos, viciados em celulares e videogames, em soldados dispostos a dar a vida pela Pátria.
Pode parecer antiquado, irrelevante, ou até mesmo ingênuo falar de honra em pleno século da guerra híbrida, do terrorismo cibernético e das Fake News. Pode-se questionar a necessidade dessa honra, afinal um governo poderia usar apenas a lei para administrar seu exército; a disciplina militar se vale com facilidade das mais variadas formas de punição, enquanto até mercenários podem ser motivados por dinheiro.
Mas, existem razões consagradas na preferência da honra à lei ou ao mercado, para gerir um exército. Isto porque os tipos de sacrifícios do combate exigem que as pessoas corram riscos e façam sacrifícios supererrogatórios, quer dizer, “atos moralmente desejáveis, mas demasiado exigentes para serem moralmente obrigatórios.”
A História comprova que a bravura, o sacrifício e a abnegação dos soldados só aconteceram segundo padrões claros de conduta capazes de refletir os ideais de respeito, individual e coletivo, que tornaram honroso arriscar a vida. As perspectivas de prisão ou de dinheiro jamais reuniram poderes de persuasão suficientes para recompensar façanhas militares, além de serem simbolicamente inapropriadas.
Desconsiderar a honra como valor exige mais esforço e recursos, e ainda levanta a velha questão latina: “Quis custodiet ipsos custodes?” (Quem guardará os guardiões?). Neste sentido, soluções de ocasião (câmeras, leis, corregedorias) apresentam eficiência discutível, além de trazer prejuízos morais e psicológicos irreparáveis, enquanto os custos de fazer vigorar a honra são extremamente baixos e seus resultados inigualáveis.
Ao assumir a Presidência, Lula declarou não confiar nos militares, desprezando o fato de que ele é, pela Constituição, o Comandante Supremo das Forças Armadas; ano passado, um Ministro, com base em mensagens de WhatsApp, sem culpa formada e dentro de um processo sigiloso, determinou a prisão de vários militares por supostamente estarem planejando um golpe de Estado, além de acusar as tropas de Forças Especiais de sedição e de estarem planejando seu assassinato; há dias, em uma audiência pública no Congresso, uma tropa de parlamentares encurralou os três comandantes militares e o Ministro da Defesa com um bombardeio de acusações quanto aos seus posicionamentos políticos, atingindo não só as Forças Armadas, mas também seus integrantes.
Em nenhuma dessas ocasiões houve qualquer desagravo, ou ao menos explícita preocupação quanto a honra dos nossos soldados.
Aos chefes militares não bastam excelência técnica profissional e posturas “legalistas”: é ônus do Comandante a contestação pública na defesa da honra da Força e de seus homens; ao Ministro da Defesa não cabe primordialmente (embora assim tenha declarado) conciliar interesses do governo com aqueles dos comandantes militares, mas sim garantir a eficiência militar na segurança nacional; para tanto, avulta seu zelo na preservação da honra das gentes das armas e, em consequência, do poder militar do País; aos magistrados, nada justifica desonrar e humilhar oficiais, descumprindo a lei alegando “defesa da democracia”; e ao Comandante Supremo das Forças Armadas – o Presidente – não se desculpa a mudez cúmplice e criminosa da omissão, quanto às injustiças sofridas por seus comandados.
O declínio da honra fez o EUA ser derrotado no Vietnã. É a honra que tem sustentado a Ucrânia e seus soldados improvisados na guerra contra um dos mais poderosos exércitos do mundo. É a honra, inegociável e irredutível, o valor por excelência que garante a manutenção da identidade militar; ela faz o soldado ir além do dever nos serviços ingratos, provar os sofrimentos mudo, e aceitar os mais obscuros sacrifícios no cumprimento da missão.
A força desse fermento de energia coletiva – a HONRA – continua eterna e universal, e sua importância tem que ser entendida pelos homens públicos do Brasil, porque na falta disso, no dia do perigo, a Pátria vai procurar em vão homens dignos de vitória.