Com avanço da esquerda, crescem o autoritarismo e a miséria na América Latina

Por: Estado de São Paulo 19 de setembro de 2022

No dia 4 de setembro, logo após a divulgação dos primeiros resultados do referendo sobre a nova Constituição do Chile, que já indicavam a vitória do “não”, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, usou sua conta no Twitter para fazer um comentário sobre a consulta.

“Pinochet reviveu”, disse Petro, em referência ao general Augusto Pinochet, que comandava uma ditadura militar quando a atual Carta chilena – hoje livre do “entulho autoritário” do passado – entrou em vigor, em 1980. “Só se as forças democráticas e sociais se unirem, será possível deixar para trás um passado que mancha toda a América Latina e abrir as alamedas democráticas”, acrescentou.

O comentário de Petro, um ex-guerrilheiro do grupo M-19, não é apenas um exemplo bem acabado da percepção de muitos políticos e militantes da esquerda que se manifestaram sobre o tema nas redes sociais na ocasião. Ele também revela muito da mentalidade messiânica da esquerda latino-americana, que, apesar do discurso em defesa da democracia, apresenta traços autoritários e se coloca como se tivesse o monopólio da virtude na sociedade.

“Para a esquerda da América Latina, democracia só existe quando eles ganham. Lamentável exemplo do presidente da Colômbia”, afirmou a economista Marina Helena Santos, ex-diretora do Instituto Millenium, um centro de propagação das ideias liberais, em seu perfil no microblog. “Ao ver a repercussão da escolha feita pelos chilenos, é possível constatar: os progressistas amam a democracia. Só não suportam a opinião do povo”, disse o deputado Paulo Eduardo Martins (PL-PR), em sua conta.

Esta reportagem, que encerra a série do Estadão sobre o avanço da esquerda na América Latina, traz uma síntese do conteúdo publicado nas últimas semanas e mostra como a ascensão do grupo deverá moldar o futuro da região.

SOCIALISMO BOLIVARIANO.

Como mostraram as reportagens da série, um dos principais riscos trazidos pelo avanço da esquerda é justamente o do autoritarismo. Antes restrito a Cuba, o autoritarismo se espalhou pela Venezuela, com o “socialismo bolivariano” implementado por Hugo Chávez (1954-2013) e mantido por seu sucessor, Nicolás Maduro, e para a Nicarágua, sob o comando do ex-líder sandinista Daniel Ortega, que está em seu quarto mandato na presidência.

Segundo o historiador Alberto Aggio, professor da Universidade Estadual Paulista, o exemplo da Revolução Cubana ainda alimenta o imaginário da esquerda latino-americana. Mas a estratégia para alcançar o poder mudou. Em vez da guerrilha, que já seduziu Petro e outros líderes de esquerda na região, agora a tática é usar as regras da “democracia liberal” para chegar ao governo e depois miná-las, para se perpetuar no poder, como aconteceu na Venezuela e na Nicarágua.
Nos dois países, com o “aparelhamento” do Estado e o controle do Judiciário e do Legislativo, os governantes mudaram a legislação eleitoral em benefício próprio. Restringiram a liberdade de expressão, extinguiram partidos de oposição e confiscaram patrimônio de quem estava pelo caminho. Tudo sob um manto de aparente legalidade, mantida sob a mira das forças de segurança.

Embora Cuba, Venezuela e Nicarágua representem a face mais autoritária da esquerda na América Latina, há sinais de arbítrio, em maior ou menor escala, em outros países em que o grupo chegou ao poder. Na Bolívia, também aproveitando-se do controle do Judiciário, o atual mandatário, Luis Arce, atuou para obter a condenação da ex-presidente interina Jeanine Añez a dez anos de prisão num julgamento “de fachada”, sob a acusação de tramar um “golpe” contra seu antecessor Evo Morales. No México, sob a direção de Andrés Manuel López Obrador, o governo vem seguindo a mesma trilha, buscando restringir a liberdade de expressão e subjugar o Judiciário.

Ainda que existam diferenças entre os líderes de esquerda latino-americanos, eles costumam agir em bloco, para reforçar a posição política do grupo, e “passar pano” para as três ditaduras.
“Você não pode dizer que não tem democracia na Venezuela”, disse Lula à emissora de TV portuguesa RTP, em 2021.

Na economia, a esquerda acabou “socializando” a miséria, mesmo que, durante o percurso, tenha havido uma sensação de melhora na vida dos cidadãos, com gastos públicos sem lastro e o uso de anabolizantes para turbinar o nível de atividade.

SUBDESENVOLVIMENTO.

Na Venezuela, o PIB (Produto Interno Bruto) caiu 87%, para US$ 46,5 bilhões, nos últimos 10 anos. Hoje, a renda per capita, medida pela paridade do poder de compra (PPP), é de apenas US$ 5,4 mil. Só é maior na América Latina que a do Haiti.

Sob o domínio do peronismo, a Argentina, que representava 34,7% do PIB da América do Sul em 1962, viu sua fatia cair para 15,1% em 2021. Hoje, com a inflação roçando os 100% ao ano, 37,5% dos argentinos vivem abaixo da linha da pobreza, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas (Indec). Eram 17,9% há cinco anos.

No Brasil, quando Dilma deixou o governo, após o impeachment, em 2016, o País enfrentava sua maior recessão em todos os tempos e a inflação se aproximava de 11% ao ano, sem crise global para justificar a alta de preços. O desemprego tinha dado um salto e a renda, encolhido.

Como mostrou a série publicada pelo Estadão, o avanço da esquerda tem perpetuado o subdesenvolvimento e levado a um aumento do autoritarismo na América Latina.

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