As Surpresas da Ucrânia

Por: Sergio Etchegoyen 22 de março de 2022

A condução da guerra, tanto no plano político como no militar, é literalmente a gestão do caos. Não é por acaso que essas duas instâncias são reconhecidas por confundirem simultaneamente em suas naturezas a ciência e a arte.

Ambas se subordinam a regras objetivas ao mesmo tempo em que se sujeitam a fatores aleatórios, incontroláveis e impossíveis de serem medidos. Ambas exigem conhecimento e inspiração. Ambas emprestam ao conjunto de eventos que caracterizam suas dinâmicas a mesma palavra:campanha.

Recursos materiais podem fazer a diferença em qualquer dos dois casos, mas condições climáticas adversas na hora decisiva, por exemplo, podem impor resultado jamais imaginado ainda que diante de visível assimetria de meios.

A força moral de um líder pode reverter um desastre iminente, como Caxias em Itororó, ou tirar de uma derrota desmoralizante numa batalha a energia para vencer o conflito, como Churchill após Dunquerque.

Já se disse exaustivamente que a verdade é a primeira vítima da guerra, mas, mesmo diante da espessa cortina de fumaça que a propaganda e as operações psicológicas dos dois lados produzem, os analistas têm coincididona opinião de que o conflito se está estendo por mais tempo do que pretendiam os russos e imaginavam os especialistas.

A surpreendente redução da velocidade do avanço das tropas russas tem chamado a atenção dos estudiosos e suscitado considerações que, voltando à dupla natureza do fenômeno da guerra, remetem tanto aos aspectos materiais quanto aos intangíveis.

Três preceitos, entre outros, são particularmente definitivos para a vitória. O primeiro é a harmonia entre a intenção política e a capacidade militar de concretizá-la. A pretensão de Hitler na Operação Barbarosa e o fatal erro de cálculo dos generais egípcios na Guerra do YomKippur são casos clássicos opostos de desastres provocados por essa falta de sintonia.

O segundo fator é a capacidade logística de garantir a continuidade e a impulsão das operações. Segundo parâmetros internacionalmente utilizados, os russos necessitam, só para suas forças terrestres, da ordem de 2,5 milhões de litros de combustível para cada 100 quilômetros de deslocamento e aproximadamente 10 mil toneladas diárias de suprimentos diversos, em função da natureza dos seus meios e dos efetivos envolvidos. O custo e a complexidade disso é inimaginável e praticamente impossível de ser sustentado por uma economia de porte semelhante ao nosso.

Por fim, no campo imaterial, as tradições e os valores morais de um povo são valiosíssimos multiplicadores do poder de combate. A Batalha da Inglaterra e a campanha da Rússia na 2ª Guerra Mundial e o conflito do Vietnam, mais recentemente, deixaram inspirações que os ucranianos demonstram ter absorvido.

Se a equação política e logística de Putin parece perigosamente equivocada, Volodimir Zelenskyy aparenta, com sua experimentada sensibilidade de comediante,saber instrumentalizar a subjetividade em seu favor. É o drama da guerra expressando-se como ciência e arte.

A tragédia da Ucrânia oferece àqueles que questionam nossas necessidades orçamentárias para um sistema de Defesa com capacidade dissuasória minimamente eficaz, uma excelente oportunidade para calcular a quanto pode chegar o preço da derrota.

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