O STF abandonou sua função essencial de árbitro da Constituição e passou a agir, segundo alega, como intérprete, legislador e executor do que considera serem “os desejos da sociedade”.
Circulam livremente no Brasil deste momento, numa atmosfera de alta reverência, devoção ideológica e temor à força divina, duas ideias absurdas. A primeira sustenta que o Supremo Tribunal Federal, e o resto do alto aparelho judiciário que habita o Plano Piloto de Brasília, são as forças que garantem a democracia neste país. A segunda diz que essa muralha de virtudes precisa ser defendida com urgência pela sociedade brasileira, pois estaria sendo ameaçada pelo “populismo”, a “direita” e o “governo Bolsonaro”. É uma contrafação de proporções espetaculares — e quanto mais a sua falsidade se revela, mais agressiva se torna a veneração prestada a esse embuste pela mídia, pelas elites que vivem à custa do atraso nacional e pelas classes intelectuais.
Isso se chama ditadura — sem tanque na rua e sem polícia secreta, mas ditadura do mesmo jeito
As duas colocações, como vem se tornando comum no ambiente de aberta veneração à mentira vivido hoje pelo Brasil, estão exatamente do lado contrário de tudo aquilo que mostram os fatos. O STF, na vida real, é neste momento o mais ruinoso inimigo da democracia no Brasil — porque abandonou sua função essencial de árbitro da Constituição e passou a agir, segundo alega, como intérprete, legislador e executor do que considera serem “os desejos da sociedade”. É fatal. Todas as vezes que uma corte suprema deixa de ser, mesmo por cinco minutos, um tribunal que se limita a decidir se esta ou aquela decisão é constitucional, e se intromete em qualquer outro tipo de questão, ela passa imediatamente a ser um agente da tirania. Não há ninguém acima do STF; suas decisões, quaisquer que sejam, não podem ser revistas. Se é assim, e se os ministros podem decidir sobre todas as questões que existem, o tribunal começa a governar o país sem sofrer contestação — e sem ter sido eleito para governar coisa nenhuma. Isso se chama ditadura — sem tanque na rua e sem polícia secreta, mas ditadura do mesmo jeito. De forma idêntica, os fatos comprovam que o STF persegue grosseiramente os seus inimigos políticos, põe gente na cadeia, aplica multas exorbitantes, boicota a ação do governo, exige informações em “três dias”, abre inquéritos policiais, desrespeita objetivamente a lei. Como pode se queixar, então, de estar sendo ameaçado? É ele, na prática, que ameaça as pessoas. É demente.
O STF, para usar uma expressão da moda entre a esquerda brasileira e entre os próprios ministros, está vivendo em estado permanente de “desvio de função”. Ao contrário do que pregam as bulas papais do ministro Luís Roberto Barroso, tido pelos jornalistas, professores de ciências sociais e bilionários de esquerda como a turbina ideológica da “suprema corte”, o STF não existe para “transformar o Brasil”. Não é pago pela população para “carregar a história para a frente”, como diz ele — e nem para condenar o presidente da República como “inimigo”. Não lhe cabe melhorar o país ou organizar a sua administração, nem ditar como os políticos devem se comportar, e nem influir nos usos e costumes da sociedade. Sua única função é decidir, nos casos de dúvida, se a Constituição de 1988 está ou não está sendo aplicada corretamente — é isso, e não pode ser mais do que isso, sob pena de subversão da ordem pública. O STF não está se comportando como a lei determina.
Moraes age como um carcereiro maníaco, como naqueles filmes do tipo “terror no presídio”
Os ministros, cada vez mais, agem como os árbitros dos desejos e das necessidades da sociedade — quer dizer, deram a si próprios o poder de decidir o que a população está querendo. Ao fazerem isso ofendem o princípio mais sagrado de uma democracia de verdade — o de que só existe um regime democrático quando o governo é exercido com o consentimento dos governados. O STF, abertamente, quer governar sem este consentimento. Há ministros que já disseram, aliás, que o Brasil é “conservador” demais para o modelo de país que têm em suas cabeças; a maioria dos brasileiros precisaria mudar de ideias, para se encaixar do Brasil desejado pelo ministro Barroso e seus colegas. É possível. Mas se for assim não cabe ao STF tornar o Brasil mais “moderno” — ou mais “igualitário”, ou mais “inclusivo”, ou mais “justo”. Por acaso a maioria da população brasileira é a favor do aborto, por exemplo, ou do casamento gay, ou da entrega às tribos indígenas de porções cada vez maiores do seu território? Quer que seja proibida a construção de ferrovias, de estradas ou de usinas hidroelétricas? Apoia a doutrinação política de esquerda na escola pública? Os ministros querem decidir sobre isso tudo; pretendem ditar os hábitos do cidadão, e determinar como devem se comportar em suas vidas pessoais. É a negação da democracia. Os desejos da população têm de ser atendidos pelo Congresso Nacional, e unicamente por ele; não há outra opção, a não ser em tiranias. É para isso — para executar a sua vontade — que o povo elege deputados e senadores. Os que temos podem ser lamentáveis, mas não existe no Brasil outro parlamento que não seja esse aí. Fazer o quê? Cabe aos eleitores, exclusivamente a eles, melhorar as decisões do Congresso. O STF não tem nada a ver com isso.
Não se trata de discordância com o teor das decisões do Supremo, como os ministros querem fazer crer diante de qualquer crítica que recebem. Tanto faz o teor — seria a mesma aberração se as decisões estivessem indo no sentido oposto ao que o STF tem decidido. Ajuda muito a embaralhar o debate, é claro, a baixíssima qualidade das sentenças, uma espécie de Museu de Horrores de Madame Tussaud; é tudo em geral tão infame, tão subdesenvolvido e tão ofensivo à lógica, que o problema parece ser a incompetência dos ministros no seu papel de magistrados. Ninguém, nesse ponto, supera no momento o ministro Alexandre de Moraes. Esqueça um pouco as considerações feitas acima sobre democracia e Constituição; aqui o angu é outro, e bem mais grosseiro. Moraes, no caso da sua incompreensível perseguição pessoal ao deputado Daniel Silveira, age como um carcereiro maníaco, como naqueles filmes do tipo “terror no presídio”. Está mortalmente ressentido porque o presidente da República, no estrito cumprimento da lei, anulou a pena de quase nove anos de cadeia que tinha socado em cima de Silveira. De lá para cá, vem dobrando a aposta: decidiu que, com indulto ou sem indulto, com lei ou sem lei, o deputado tem de ser punido, para que ele, Moraes, prove que é mais forte que o presidente e que a Constituição. Criou uma situação de desordem.
O que há de constitucional na decisão do ministro Edson Fachin que anulou as quatro ações penais contra Lula?
No seu último surto, o ministro vetou a redução de 35% no valor do IPI que o governo havia decidido, na tentativa de dar mais um estímulo à economia. Que diabo a redução do IPI tem a ver com as funções de um ministro do Supremo? Moraes não tem de decidir absolutamente nada nesse assunto. A decisão também não teve relação nenhuma com as suas possíveis convicções sobre política fiscal; foi vingança pessoal pura, simples e infantil. Não prejudica o “governo”. Como em tantas outras intromissões do STF em assuntos que não lhe dizem respeito, prejudica, de forma direta e imediata, a população.
Que ligação lógica pode existir entre a Constituição brasileira e tornozeleiras eletrônicas, multas de R$ 400.000 para as vítimas do ministro Moraes ou o CEP de Curitiba? O que há de constitucional na decisão do ministro Edson Fachin que anulou as quatro ações penais contra Lula, incluindo a sua condenação pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, em terceira e última instância e por nove magistrados diferentes? E a exigência do “passaporte sanitário” para cidadãos brasileiros entrarem no seu próprio país — uma decisão tão estúpida que nunca chegou a entrar realmente em vigor? O STF decidiu que os prefeitos tinham direito de manter fechadas por dois anos as escolas do Brasil. Bloqueia a construção de uma ferrovia essencial para a produção do Centro-Oeste, porque ela passa em 0,8% de uma “terra indígena”. Fecha acordos com empresas estrangeiras que controlam as redes sociais, como se fosse uma repartição administrativa, para censurar o conteúdo de mensagens e abolir fatos que possam favorecer o governo durante a campanha eleitoral. Ameaça, seguidamente, “cassar” a chapa do presidente para a eleição de outubro próximo; o ministro Moraes, a propósito, já prometeu “prisão” e outros horrores para os acusados de “fake news” e “desinformação.” O STF, há anos, desceu ao nível da justiça comum, funcionando hoje como um escritório de advocacia penal para soltar marginais, ladrões do Erário público e traficantes de droga. Atende sistematicamente a exigências de partidos da esquerda, quando querem impor uma decisão de governo ou um ponto de vista partidário. Onde a Constituição se conecta com isso tudo?
Mais extraordinária ainda é a queixa, apresentada diariamente nos meios de comunicação, de que o STF está sendo “ameaçado”, que sofre “uma campanha de descrédito” e é vítima de ações de “lavagem cerebral”. O STF, ameaçado? Só se for pela vontade da maioria da população, que vai se expressar nas próximas eleições — essas mesmas que tanto preocupam os ministros e seus agentes do TSE. Ameaça dos militares com certeza não é; se estivesse preocupado com eles, o TSE não iria devolver, sem atender a nenhuma, todas as sugestões feitas pelas Forças Armadas para reforçar a segurança das apurações. Do “governo Bolsonaro” também não pode ser. Não há nos últimos três anos e meio nenhum exemplo, mesmo distante, de que qualquer órgão do governo tenha desrespeitado a lei ou o Estado de Direito — ao contrário, o Executivo foi atacado 24 horas por dia pelo STF, teve dezenas de decisões bloqueadas e não desobedeceu a nenhuma das ordens que recebeu da justiça. Onde está a perseguição? Não existe, simplesmente — a não ser como desculpa antecipada para tentativas de virar a mesa, em mais uma cruzada para salvar a democracia no Brasil.