Gen Ex Hamilton Mourão
Senador do Rio Grande do Sul e ex-presidente do Clube Militar
A comédia de atos e falas do governo Lula precisa começar a ser levada a sério, antes que vire uma tragédia. Quando a administração federal, na pessoa do ministro da Justiça, anuncia ter pronta a proposta de criação de uma força paramilitar para ser empregada em todo o território nacional à revalia das salvas-guardas constitucionais, sem que tal projeto tenha sido amplamente conhecido e discutido, acende-se o alerta na sociedade quanto aos rumos que ela pretende dar ao país.
Um governo inexplicavelmente omisso na tomada de medidas preventivas, arbitrário na prisão indiscriminada de pessoas e covarde ao se eximir de suas responsabilidades pela manutenção da ordem na capital federal não demonstra agir segundo os critérios de discricionariedade que justificam uma proposta dessa natureza.
Uma proposta inoportuna (mal se completa o mês de governo). Proposta inconveniente, desconsiderando o papel das forças de defesa e segurança nacionais. Proposta contrária ao interesse público, uma vez que implicará acréscimo de despesas e, mais grave, intromissão do governo federal e prerrogativas dos entes federativos.
A mera listagem das inconsistências já é suficiente para indicar que ela brotou das entranhas de um governo que não se pede em falar e agir de forma ideológica e destemperada, seno, por conseguinte, preocupantes as suposições que animaram a anunciar essa proposta: que a defesa das instituições democráticas requer a criação de uma organização armada sobre seu controle exclusivo para tal fim e que as existentes, capituladas na constituição federal não merece confiança no cumprimento dessa missão.
A ideia da guarda nacional surgiu com a revolução Francesa. Nascida da indisciplina de alguns contingentes militares e do medo da reação das tropas do rei na jornada de 14 de julho de 1789, logo ela se tornaria instrumento do Terror, que promoveria infames massacres políticos movidos pela obsessão de traição. Desde então, instituiu-se a prática revolucionária de munirem-se os regimes autoritários e totalitários de instrumentos excepcionais de força, é que a guarda bolivariana da Venezuela é o mais recente exemplo.
No Brasil, a criação da Guarda Nacional seguiu a mesma lógica: que as instituições do Império estavam em risco e que os militares não eram confiáveis para sustentá-las. O curso da História colocou as coisas no seu devido lugar quando algumas delas foram instrumentos das revoltas que o governo teve de dominar com o Exército e a Marinha.
A revolução não está nas cogitações dos brasileiros de bem que querem trabalhar e viver suas vidas em paz. Ela só está na mente dos insensatos, do momento e da história, aqueles unidos na pleonexia sem peias.
Definitivamente, o Brasil não precisa de uma guarda que, qualquer que seja seu nome, ameaça sua população e se preste ao arbítrio de que o governo for. O arremedo bolivariano desenhado pelo governo Lula não é do que o Brasil precisa para se defender de ameaças a sua democracia.
Para garantir o funcionamento harmônico independente dos Poderes da República, a prevalência do Estado de Direito e a sustentação da União com respeito à Federação, enfim, todo conjunto de instâncias, relações e interdependências que conformam o Brasil moderno, basta a guarda da Constituição, começando pelo retorno do STF a seus limites institucionais, seguindo-se a restauração do parlamento perdido no fisiologismo e atropelado em suas prerrogativas e, finalmente, o exercício de governo pelo Poder Executivo de forma responsável e atenta ao bem comum e ao interesse nacional.
Esta é a guarda de que o Brasil precisa: da lei, da sensatez e das boas intenções.