A desunião como ideologia

Por: Gen. Marco Aurélio Vieira 25 de julho de 2022

Foram as ameaças ao território e as vitórias nas várias tentativas de invasão estrangeira no período colonial que deram ao brasileiro o seu o peculiar senso de pertencimento. É emblemático o Termo de Compromisso dos líderes da Insurreição Pernambucana, na expulsão dos holandeses em 1648, quando pela primeira vez em um documento no Brasil aparece a palavra pátria, no seu sentido atual:

“Nós abaixo assinados nos conjuramos e prometemos em serviço da liberdade, não faltar a todo o tempo que for necessário … contra qualquer inimigo, em restauração da nossa Pátria…”

Essa união, resultado da luta pela sobrevivência das comunidades, prevaleceu inclusive nas tentativas de separação de Portugal.Embora a Independência tenha desencadeado inúmeros movimentos separatistas, a cultura política do Império– consolidada durante as regências – manteve os fundamentos herdados da metrópole portuguesa, e a integridade territorial continuou como cerne da unidade nacional.

No Século XVIII, gradativamente, as noções de “pátria” e “nação” passaram a fazer parte do vocabulário dos brasileiros. Conceitos distintos, o primeiro expressava o cosmopolitismo e o universalismo – aspectos muito caros aos enciclopedistas – enquanto o segundo refletia a ideia que acabou por preponderar, a do nacionalismo, herança da Revolução Francesa. Mas, continuava difícil à sociedade escravagista brasileira consolidar um civismo capaz de estimular soldados a morrer pela pátria, quando suas existências como cidadãos não justificava tal sacrifício. Novamente, foi a integridade territorial o fundamento utilizado pela nossa elite política para a manutenção da unidade, na consolidação de uma identidade nacional.

No início do Século XX, a questão do território tornou-se fato consumado e somou-se à adesão das nossas gentes aos valores da civilização ocidental. Mesmo as Constituições que regeram a nação, ou as turbulências políticas que abalaram o País, sempre primaram pela união nacional e a defesa das liberdades democráticas, não havendo notícias de movimentos separatistas organizados, ou ainda de estímulo a divergências inconciliáveis.

Entretanto, a partir do início da década de 20, com a popularização das teorias marxistas/leninistas, surgiu no Brasil um conflito ideológico inédito, que trouxe a desunião nacional como fundamento. Constatada a dificuldade de se estabelecer a “solidariedade internacional do proletariado” pregada por Marx, os comunistas brasileiros – assim como seus camaradas internacionais –passaram a adotar a estratégia de rotular à priori os amigos e inimigos, acentuando antagonismos: negros contra brancos, ambientalistas versus agricultores, comunidade contra polícia…Esses rótulos foram a chave do sucesso no aviltamento dos oponentes, e viraram ferramentas eficiente da incansável tarefa dos esquerdistas de alterar a realidade, modificando as palavras. A tática é lançar uma rajada de rótulos na cara do inimigo,sempre que um argumento racional seja necessário. Em caso de impasse, a saída é apelar para o velho slogan comunista – quem não está conosco é fascista – praticamente inviabilizando qualquer possibilidade de diálogo.

Na década de 60, a esquerda optou pela luta armada para a conquista do poder, ao mesmo tempo que desencadeou uma evangelização sistemática,tomando de assalto as instituições de ensino, fábricas e parlamentos do Brasil. Aproveitando-se do momento político de revolta social então vivida no mundo, os comunistas travaram uma das mais bem sucedidas guerras intelectuais da história recente, recrutando combatentes de peso entre artistas, escritores e juristas, com reflexos políticos que se verificam até os dias de hoje. Em um país que jamais teve proletariado revolucionário,valendo-se de um gramscismo bem estruturado e promovendo a desunião de forma pensada, em cerca de duas décadas, a esquerda conseguiu o ponto de virada dessa guerra, e atingiu seu objetivo estratégico: a chamada “hegemonia cultural”.

Desde então, com o domínio da Academia, dos meios de comunicação e dos sindicatos, a esquerda tem feito da vida intelectual brasileira uma propriedade exclusiva. Nossos intelectuais e artistas – sem qualquer escrúpulo – continuam dia e noite pregando a desmoralização das fontes de lealdade que forjaram a nossa nacionalidade, aquelas que unem as pessoas comuns, não à sua classe – como como prega a doutrina marxista – mas sim à pátria de Guararapes. Tradições, linguagem, lei, justiça e até a fé têm sido menosprezadas, reescrevendo-se o passado, importando-se preconceitos,efetivando o ativismo judicial ideológico e difamando-se o país no exterior, em uma nefasta negação das conquistas da democracia liberal brasileira, associada à pregação da discórdia como instrumento político.

Aguerra é global e continua desigual no campo da comunicação, por conta da habilidade comunista de empilhar lixo ideológico atrás das portas pelas quais os fatos poderiam entrar, e porque a mídia é descaradamente simpática às ilusões esquerdistas. O quadro é mais preocupante no Brasil, porque aqui os movimentos de esquerda parecem ter assumido uma capacidade ainda mais perversa, tanto de autorizar o crime como de limpar a consciência daqueles que são coniventes com ele.A esquerda brasileira reescreveu a história, fez triunfar a ideologia sobre a realidade e justifica a má fé ideológica como “crime dos bons cidadãos”, sempre apostando na desunião.Mas, se o princípio da democracia é a união não sentimental entre rivais, que se comprometem em ser governados por pessoas que seus oponentes elegeram,são essenciais valores republicanos e homens públicos de caráter na orientação das nossas escolhas políticas. Porque a democracia só funciona se quem votar compreender o mundo em que se encontra.

Gen Div Marco Aurélio Vieira

Foi Comandante da Brigada de Operações Especiais e da Brigada de Infantaria Paraquedista

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