Getúlio Vargas – 24 de Agosto/68 Anos

Por: Gen. Div. Gilberto Rodrigues Pimentel 24 de agosto de 2022

Há exatos 68 anos, aproximadamente nesse mesmo horário em que estou escrevendo, até onde minha memória ainda se arrisca mergulhar nas profundezas do tempo, nossa diretora irrompeu em prantos a sala de aulas da última série do Ginásio Souza Lima, um modesto colégio no distante sertão realenguense, ignorando a presença da professora de Geografia que se encontrava no tablado, balbuciou uma frase incompleta, nem toda compreensível, anunciando o suicídio do presidente Getúlio Vargas, ocorrido poucas horas antes no Palácio do Catete.

Lembro bem que seu filho, um dos alunos da turma, sentado na primeira fileira também começou a chorar e foi acompanhado na sua emoção solidária por outros alunos, sobretudo algumas meninas. Éramos então jovens despreocupados entre 14 e 16 anos, não tínhamos como hoje acesso fácil aos meios de comunicação, na idade da pedra se comparado aos dias atuais, e menos ainda a temas de natureza política. No entanto, a crise que antecedera o trágico episódio, mormente depois do atentado ao político e jornalista Carlos Lacerda que resultou na morte de um major aviador, alcançara repercussão em todo o país, revoltando a sociedade em todos os seus segmentos, pelos indícios claros da participação de gente da intimidade de Vargas, que já admitira estar seu governo assentado sobre um “mar de lama”. As Forças Armadas, em particular a Força Aérea, exigiam resposta e imediata.

Recordo que a nossa diretora, passado o choque inicial, mais calma, determinou a suspensão das atividades da semana, sábia decisão, e deu-nos ordens expressas de regressar imediatamente às nossas casas, pois temia a ocorrência de tumultos que pudessem ameaçar a segurança dos seus alunos.

De fato, já no percurso de volta ao lar pudemos perceber que haveria problemas, pelas expressões lastimosas e demonstrações de angústia e dor percebidas nas pessoas. Era algo inédito para nós. No dia seguinte, durante as exéquias de Getúlio, assistimos a maior e mais tensa manifestação popular em homenagem a alguém, ao menos nesta cidade do Rio de Janeiro. Nenhuma outra, jamais, me causou tal impressão. E olha que já vimos muita coisa.

Getúlio Vargas dirigiu o Brasil durante quase 19 anos. Assumiu pela primeira vez por meio de uma revolução que liderou ao não aceitar a voz das urnas; estabeleceu um governo provisório buscando ganhar tempo; mas sob pressão de todo lado promulgou a Constituição de 1934 que logo tornou sem efeito para implantar o Estado Novo e assumir poderes ditatoriais, muitas vezes violentos, que prevaleceram até 1945 quando foi deposto. Foi por pura ambição que voltou ao poder em 1950 permanecendo até 1954 quando encurralado, suicidou-se.

Bem, isso foi o que meus olhos viram na ocasião. Claro, muita coisa não alcançava à época, mas hoje, já na perspectiva da História, acrescentaria algumas lições decorrentes do episódio que com o passar dos anos pude melhor compreender:

– que a ambição desmedida pelo Poder cega o homem – Getúlio, para o bem e/ou para o mal, já havia concluído seu ciclo político. Escorraçado do governo depois de quinze anos exilara-se por opção, velho e cansado, mas acreditou no “canto da sereia” e deslumbrado voltou, ancorado no inegável carisma ainda prevalente na sociedade, sobretudo na sua parcela mais pobre e menos esclarecida. Foi aniquilado por seus inimigos, supostos aliados e pior, com a “ajuda” de gente das suas relações de amizade e familiares; – a tragédia de Vargas escancarou também os malefícios da idolatria política. Pura ilusão, pois só aqueles homens de verdade mais reparados serão capazes de encarar o desafio que é promover a
justiça, um desenvolvimento seguro e a distribuição mais equânime dos bens de um povo e de um país. Se assim não for, creiam, é enganação;

– aprendi também que o sentimento do povo brasileiro é coisa muito séria e que com ele não se brinca. É preciso estar muito atento, conhecer e respeitá-lo, pois dependendo das circunstâncias pode mudar de humor tão fácil e rapidamente quanto as condições do tempo. Cedo, naquele dia fatídico, Getúlio era ainda execrado por todos, dir-se-ia que o malhariam como a um Judas, possível fosse. À tarde era pranteado por uma multidão estarrecida à beira da histeria e da explosão, a maior que já vi reunir-se no Rio de Janeiro. Ressurgira o “Pai dos Pobres”. Que se cuidassem os que ficaram.

Não sei se foi um privilégio para os da minha geração ainda vivos hoje presenciar todos esses acontecimentos, mas assim foi. O legado de Vargas não foi nada favorável ao país como se viria a constatar. Depois do seu suicídio, de crise em crise, com raras ocasiões de tranquilidade política e de paz social, o Brasil desaguou no 31 de Março de 64. Não dá para aceitar que o trágico desfecho de 24 de agosto de 1954 não tenha deixado lições. Mas será que todos apreenderam?

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